Pela janela da cubata
Junto à sua cama, uma abertura na parede é o que mais se assemelhava a uma janela por onde entrava a música que o hipnotizava.
Com esforço, sentindo na barriga vazia a sensação de agonia do dia anterior e nas pernas delgadas só a força necessária para se levantar, Wilson abandonou o colchão de folhas de milho.
Em cima do banco, onde a avó tem passado os últimos dias em vigília, Wilson conseguia espreitar a rua e começava a descobrir um mundo tão estranho como familiar.
Primeiro passou os braços delgados e de imediato sentiu o calor do sol que contrastava com a frescura da sombra da sua cubata.
Não foi fácil, mas conseguiu fazer passar a cabeça de cabelos curtos e o seu tronco de magrizela, e de imediato deslumbrou-se com todo o cenário.
Wilson nunca se tinha questionado sobre a relação com os seus amigos de todos os dias. Afinal de contas, o que mais existia no mundo?
Na sua ausência forçada, mas não distante, aquela música que antes coreografavam, tomou forma e o seu grupo de amigos já dançava.
Na rua, os braços meio desengonçados dos amigos que se moviam para cima e para baixo, coordenavam-se com as pernas meio dobradas e que se abriam e fechavam, sem que os pés se mexessem muito, sincronizado com o ritmo frenético da batucada.
Wilson viu que a sua posição na coreografia, apesar de vazia, parecia mexer-se em sintonia com todos os outros amigos.
Sentiu o coração a bater cada vez mais rápido e uma forte vontade de saltar lá para fora quando, de dentro da cubata, à sua cintura, umas mãos quentes e suaves puxaram-no para a sombra.
“Tem calma, ainda não estás bom. Mais dois dias e estará tudo resolvido.”
Dois dias? Tanto tempo?
Poucas forças lhe restavam. Noutra altura, espreitar à janela era algo de que nem se dava conta, mas agora foi esgotante.
Rapidamente adormeceu a olhar para a avó sentada no seu banco, sabia que ela lá estaria quando acordasse.
São só dois dias e afinal não é assim tanto tempo.
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