Uma noite no Vale do Douro


O frio nos meus braços estava entre o desejado e algum desconforto, mas o silêncio e a paz dessa noite fria foram o íman que me prenderam à varanda.

O conforto das fofas almofadas do cadeirão de vime ajudaram-me a resistir, enquanto dezenas de pétalas da buganvília eram arrastadas pelo chão por uma brisa que insistia em me contrariar.



Nessa altura, o dia já parecia-me distante, tanta coisa tinha acontecido.

Esse dia de fim de Março, tinha estado invulgarmente quente para a época do ano mas ainda assim, esteve longe dos dias de calor infernal que tão bem caracterizam o Vale do Douro e dão corpo ao vinho.

Estava sozinho na Quinta da Marka.

Tal situação não me admirava, em Março ainda faltava muito para a época turística.

Melhor assim, pude usufruir dessa paz e beleza que a exclusividade permitiu.

Apesar do calor do dia, a noite estava fria e o céu limpo permitia-me ver todas as constelações que o luar quase escondia.

Pelo canto do olho podia ver as luzes dormentes da sala de estar. Talvez devesse ter apagado todas as luzes da casa. Talvez.

Ao redor da Quinta não há outras casas, só vinhas e ao longe, alguns pontinhos de luz.

A Quinta Nova é um desses pontinhos de luz e vê-se ao longe. Ali tinham ficado os clientes do grupo que eu guiava.

A Quinta do Crasto, que eu sabia às minhas costas, não é visível de onde eu estava.

Talvez eu devesse ter apagado todas as luzes da sala mas, agora só podia imaginar a imensa beleza desse escuro.

Na sala não havia luz suficiente para ler, só mesmo o essencial. Mas ainda assim conseguia distinguir a decoração da sala tradicional, confortável, tranquilamente de muito bom gosto.

Consegui resistir agradavelmente ao frio e aninhei-me ainda mais profundamente na amizade dos almofadões.

Pelo prazer de ter mais um participante no grupo, de bom grado cedi, a um cliente de última hora, aquele que seria o meu quarto na Quinta Nova e o último disponível. Por causa do reduzido número de quartos existentes, tive de vir alojar-me nesta Quinta.

A Quinta Nova é um belíssimo espaço, não haja sombra de dúvida nisso. As instalações, o restaurante e o serviço, fazem da Quinta Nova um alojamento difícil de substituir.

No entanto, felizmente para mim, tenho outras oportunidades de usufruir dessa Quinta e a Quinta da Marka, onde me fui aninhar, permitiu-me um isolamento e perspetiva inigualável em local tão próximo.

A minha cabeça voou outra vez para o dia que agora chegava ao fim e tinha sido espetacular, daqueles em que tudo correu bem. As caminhadas sem nuvens no horizonte, nem sol escaldante, as visitas guiadas com a fluência desejada e sem pressão de outros grupos, tudo isto a terminar num jantar fabuloso, na Quinta Nova, em que o grupo se entregou às conversas mais apaixonadas e hilariantes.

Mas o dia não foi menos exigente só por isso.

Porém, tenho a sensação que há momentos em que os astros se alinham para que tudo corra da melhor maneira e em mim deixarem um saboroso rasto indelével e esta tinha sido uma dessas ocasiões.

Os clientes exigentes, mas positivos e confiantes, a duração das visitas sem se terem arrastado nem apressadas, nem frio nem calor e, muito importante, um alargado conjunto de detalhes que correm como previsto e cunham estes dias como raros.

Resistia em pensar no dia seguinte, não queria qualquer exercício mental de revisão dos planos.

Só queria poder adormecer sobre neste banho de estrelas.

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